26 dezembro, 2004

A Energia Nuclear face a Quioto

Vi há dias num noticiário um representante da CIP – Confederação da Industria Portuguesa, cujo nome ou cargo não reti (mas penso que seria o presidente) apresentar como alternativa ao aumento de preços da electricidade previstos, a energia nuclear. Apresentou também como argumentos o facto deste tipo de energia existir em países como Itália, Espanha ou Alemanha. Esta posição surgiu como reacção à notícia de que as tarifas eléctricas vão aumentar 2,4 % para clientes finais em Muito Alta Tensão (indústrias) no próximo ano, comunicada pela ERSE – Entidade Reguladora do Sector Energético.

Surpreendeu-me esta visão que negligencia todas as outras formas de energia ambientalmente mais correctas que a energia nuclear. Será que a actividade industrial é tão intensiva no consumo de energia que só a nuclear permite satisfazer as necessidade do sector? Foi com estas questões que resolvi fazer uma pesquisa sobre a energia nuclear.

De facto, apesar deste tipo de produção de energia não emitir CO2, SO2 ou NOx, gera resíduos radioactivos, que têm de ser cuidadosamente geridos para que não ocorram graves problemas de libertação de radiação. Este aspecto suscita-me outra questão: com as metas previstas por Quioto, muitos governantes podem ver a energia nuclear como forma de diminuir as suas emissões atmosféricas. A minha pesquisa comprovou essa questão: encontrei declarações da Comissária europeia espanhola para os Transportes e Energia, Loyola de Palacio, afirmando que a Europa tinha de recorrer à energia nuclear de forma a cumprir as suas obrigações perante o Protocolo de Quioto, reforçando no entanto a ideia de que as fontes renováveis deveriam ser desenvolvidas.

É verdade que comparando as necessidades da energia nuclear com os tipos convencionais de produção de energia, a nuclear apresenta vantagens em termos da eficiência da conversão energética:

1 kg carvão: 3 kW·h
1 kg petróleo: 4 kW·h
1 kg urânio: 50 000 kW·h (3 500 000 kW·h com reprocessamento)

Também é verdade que em termos de uso do solo, uma central nuclear requer menos área que outro tipo de central energética:

Central nuclear/fóssil: 1 - 4 km2
Solar/Fotovoltaica: 20 – 50 km2
Eólica (campos eólicos): 50 - 150 km2
Biomassa (plantações de biomassa): 4000 – 6000 km2

Outro dos grandes constrangimentos à implementação das energias renováveis é o seu custo face à nuclear/fóssil. Desta minha pesquisa também me apercebi que a energia nuclear é muito mais utilizada do que eu pensava – é por exemplo a principal fonte de electricidade em França, tendo percentagens importantes em muitos outros países, nomeadamente a Suécia.

Apesar disso, os países abandonam gradualmente a energia nuclear: nos EUA não se constróem centrais nucleares desde 1996, na Alemanha existe um plano governamental conseguido pelos Verdes para encerrar os 19 reactores nucleares após os 32 anos de operação (o primeiro foi o reactor de Stade, em Novembro de 2003). Outros países, como Espanha, Itália, Holanda e Bélgica, apesar de ainda dependerem dos seus reactores, também se comprometeram a abandonar a energia nuclear. A já referida Suécia que decidiu abandonar a nuclear em 1980, até ao final de 2003 só tinha desactivado um reactor e hesitava em desactivar o segundo. A introdução do Protocolo de Quioto veio mesmo baralhar as contas no que diz respeito ao abandono da nuclear.

Relativamente a soluções para os resíduos radioactivos – o grande calcanhar de Aquiles da energia nuclear – parece que a mais consentânea consiste em depositá-los em formações geológicas profundas (a origem desta solução resultou de observações de fenómenos naturais no Gabão – ver “Magazine on European Research”), apesar de muito pouco se ter feito na prática até agora – a Suécia e a Finlândia são os mais avançados nesta questão.

Em Portugal há algumas notícias bastante relevantes para esta reflexão (PÚBLICO de 6 de Novembro):

« A Mina de S. Domingos, em Mértola, pode acolher já a partir de 2005 a maior central de energia solar do mundo(...)

A central fotovoltaica terá 116 megawatts (MW) de potência, assegurando uma capacidade de produção que é quase o dobro da que está prevista para a central solar da Amareleja (64 MW), em Moura, outro grande projecto que foi anunciado para a região alentejana. O empreendimento terá um investimento calculado em 426 milhões de euros, dará trabalho a 800 pessoas e terá condições para fornecer energia eléctrica a cerca de 130 mil fogos.»

« O secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, José Eduardo Martins, revelou algum cepticismo relativamente à viabilidade da central solar de Moura. Destacando que a produção deste tipo de energia renovável é muito cara, o governante, que já foi secretário de Estado do Ambiente, frisou que o problema maior da instalação deste tipo de estruturas "está na diferença entre o custo e o benefício do projecto", considerados por vários especialistas "pouco atraentes". Em Janeiro de 2005, o Governo divulgará, em definitivo, qual a sua posição relativamente à central solar de Moura, anunciou Eduardo Martins.

Se as centrais solares de Moura e S. Domingos vierem a concretizar-se, serão largamente superados os 150 MW de capacidade instalada de energia solar que o Governo tinha programado atingir até 2010. No entanto, António Joyce, director do Departamento de Energias Renováveis do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI), assinala que até 2004 "foram instalados em todo o país pouco mais de 2 MW". A sua perspectiva é que, até 2010, a capacidade instalada "não irá ultrapassar os 12,5 MW". »

« A produção de biocombustíveis é considerada um sector estratégico no desenvolvimento do projecto de Alqueva. Só a instalação de culturas para produção de bioetanol, com capacidade para 100 milhões de litros/ano, tem destinada uma área de regadio próxima dos 50 mil hectares. A tecnologia de produção de etanol baseia-se na fermentação alcoólica de açúcares presentes nos grãos de cereais e na beterraba e ainda das palhas de milho, trigo, batata e sorgo sacarino. Mas um estudo mandado elaborar pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA) sugere que as opções vão para a beterraba sacarina

Uma destilaria mista está já projectada na zona de influência de Alqueva para laborar num ciclo de produção com cereais e beterraba. Permite a laboração ao longo de 330 dias com uma produção média diária de 303 mil litros. Este projecto, para ser viável, tem de ter o apoio do Estado, através de um regime de isenção fiscal por um período de 10 a 15 anos, que deve ser extensível à produção biodiesel, outro biocombustível cuja produção "só pode ser suportada pela utilização privilegiada da cultura do girassol", sugere outro estudo feito pela EDIA. A empresa adianta que em Alqueva pode ser produzida semente de girassol para destilar cerca de 100 mil toneladas/ano de biodiesel.»

Permanece a questão: deveremos encarar a nuclear como uma alternativa viável, apesar dos riscos inerentes e dos resíduos problemáticos, ou tentar aproveitar as características favoráveis do nosso país para a implementação das renováveis?

Comentários precisam-se!!


Ligações:

Avaliação dos impactes radiológicos e na saúde 10 anos depois de Chernobyl

Electricity from nuclear energy (USEPA)

Nuclear Power Advantages


Recomendo também a leitura destes trabalhos da OCDE (em versão PDF):

Energy: the next fifty years

Nuclear Energy in a Sustainable Development Perspective

Technology Innovation, Development and Diffusion