Aguardei deliberadamente por esta altura (neste fim de semana chove a cântaros no país inteiro) para que os nossos leitores sejam levados a refletir, em "época de fartura" sobre a escassez de água que vamos inevitávelmente enfrentar nas próximas décadas, sem a envolvência e o alarmismo provocado pelo espectro da seca extrema.
O aumento do aquecimento global já está a ter repercursões observáveis pelo mundo inteiro. Sendo este um fenómeno global, não nos podemos esquecer que vamos sofrer com os seus efeitos e que temos a responsabilidade de tudo fazer ao nosso alcance para o evitar.
Efeito global (um exemplo):
Segundo um estudo elaborado por peritos do Instituto de Oceanografia Scripps da Universidade da Califórnia e da Universidade de Washington, o aquecimento do planeta vai causar escassez de água nas próximas décadas em alguns territórios do globo, por afectar o fornecimento a partir dos glaciares e reservas de neve.
Esse aquecimento, provocado pela emissão de gases de efeito de estufa - sobretudo pelos países industrializados -, irá alterar o ritmo natural do degelo e antecipar a queda de chuvas, com efeitos na capacidade das represas e no abastecimento em determinadas épocas do ano, afirmam os autores do estudo.
A ameaça é "clara" em zonas de risco como a bacia do Reno, cujo caudal poderá ser afectado, e zonas da China, Canadá e Peru, onde os glaciares sofreram uma redução de 25 por cento nas últimas três décadas.
Os cientistas concluíram que o efeito de estufa terá "consequências significativas" nas regiões mais dependentes do gelo e da neve, e perturbará eventualmente o abastecimento de água. "Se a camada de neve se derreter mais cedo, e se os países não tiverem a capacidade de reter toda a água, haverá falta de água no Verão", explica Tim Barnett, do Instituto Scripps.
A neve irá acumular-se menos no Inverno e irá fundir-se menos na Primavera, o que obrigará a rever as infra-estruturas de reserva de água, já que as represas não poderão conter o ciclo anual de neve e chuva. "Ao mudar o ciclo natural dos rios, o maior caudal ocorrerá na primavera e será difícil mantê-lo até ao verão", sublinha Barnett.
A mudança no ciclo fluvial e marítimo afectaria o transporte marítimo, a protecção contra inundações, a produção de energia hidro-eléctrica e o turismo, advertem os peritos.
Por cá:
Filipe Duarte Santos, Presidente do Concelho Científico da Comissão Nacional para as Alterações Climáticas, referiu recentemente que as observações científicas mostram que se acentuou nas últimas décadas um padrão de grande variabilidade em termos de precipitações na Península Ibérica, assim como uma tendência para o aumento da temperatura. «Isto significa que a floresta portuguesa terá de se adaptar às novas condições climatéricas, sob pena de se agravar cada vez mais o fenómeno dos incêndios florestais».
O cientista considera que as grandes áreas florestais de monocultura deverão desaparecer, sendo de prever que o montado alentejano tenderá a migrar cada vez mais para norte. Defende aínda que é «essencial controlar a produção de gases de efeito de estufa» para que possa ser atingida a meta estabelecida pelo Conselho Europeu de Março de 2004, de garantir que a temperatura média não suba mais de dois graus acima dos níveis pré-industriais. «Para isso é necessário reduzir as emissões de Gases de Efeito de Estufa em 15 por cento até 2050» afirmou.
O cientista considera que as populações se devem adaptar às mudanças, minimizando-as sem perder indíces de conforto, através de pequenos gestos na área da poupança de energia como, por exemplo, optar por lâmapadas de baixo consumo. «Estes gestos podem parecer pouco mas se puderem ser multiplicados pelos seis mil milhões de habitantes da terra, então já não serão tão pequenos.»
Em Janeiro de 2005 o especialista já tinha referido também (enquanto coordenador do projecto SIAM que:
"Há medidas urgentes de adaptação que têm de começar a ser tomadas", dando como exemplo a agricultura, onde é preciso começar a informar as populações sobre "os perigos que aí vêm" e como tentar contorná-los.
Por outro lado, "essas medidas devem começar a ser planeadas para o litoral, onde a erosão será agravada pelas alterações do clima, para a agricultura, florestas, saúde humana e recursos hídricos".
Consulte também:
Relatórios quinzenais de acompanhamento da seca - INAG para além da análise da situação hidrometeorológica do país, estão aqui inventariados os efeitos da seca no país e as medidas encetadas para a sua resolução (pela sua leitura poderá constatar que até há bem pouco tempo atrás - meados de Outubro -, o país enfrentava a situação de seca em práticamente em todo o território continental).
Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts, and Adaptation Measures - Projecto SIAM
Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação (2006 será o Ano Internacional dos Desertos e Desertificação)