«Temos construído as nossas cidades a pensar mais no automóvel que nas crianças. As crianças não têm a possibilidade de ter carta de condução. Esta verdade evidente parece esquecida no desenho das nossas cidades. Como dizia Enrique Peñalosa num discurso ao Banco Mundial, vivemos numa sociedade que sabe perfeitamente qual é o melhor ambiente para um gorila ou uma baleia mas tem dificuldades em construir um melhor ambiente para criar uma criança feliz.
A autonomia e a possibilidade que uma criança tem de explorar o mundo que a rodeia são elementos fundamentais para o seu desenvolvimento físico e psíquico. Com o compreensível desejo de as proteger, estamos a criar uma geração inteira que se movimenta de garagem em garagem – a já chamada “back-seat generation”. Do seu banco traseiro e ávida de “aprender o mundo” a criança conhece melhor as marcas dos automóveis que os nomes das árvores. Saltar muros, roubar fruta, tocar às campainhas e fugir são todas as actividades que se perderam nas últimas décadas. No entanto, se perguntarmos a uma classe de crianças de que forma gostariam mais de vir para a escola a resposta é sempre de bicicleta ou a pé. Nos últimos anos as crianças estão em risco de crescer isoladas do mundo e dos amigos. A protecção dos pais é compreensível: Portugal tem recordes verdadeiramente trágicos de mortes na estrada para qualquer grupo etário, mas são principalmente os mais jovens que são vítimas dos condutores.
A tragédia é tanto maior porque as estatísticas demonstram que quanto mais protegermos as crianças na sua exposição à cidade e ao tráfego, sem a gradual experiência e aprendizagem do perigo, mais probabilidades elas têm de morrerem durante a adolescência.»
* Um excerto do trabalho "Os peões, os passeios e as “causas comuns”" de Mário J. Alves - mariojalves(arroba)gmail.com