Activismos - reflexões partilhadas com amigos e não só *
A aproximação ao poder de decisão acaba por deformar quem inicialmente quer transformar. Com a aproximação ao poder, a motivação para a transformação vai dando lugar à cedência face às regras do sistema, e essas regras não visam mudanças, mas antes manter uma grande inércia, manter uma estrutura. Ou seja, quer individualmente quer colectivamente, a necessidade de actuar dentro do sistema, implica alguma cedência ao sistema e, na gestão das cedências que se fazem há como que uma tendência para procurar cada vez actuar mais, mas também perder o carácter combativo. Fazem-se mais coisas, mas cada uma delas se torna menos transformadora. O que de início são poucas acções com grande carácter transformador, passa a dar lugar com o tempo, a muitas acções com pouco carácter transformador.
Isto é visível não só nos partidos mas também nas instituições, fundações, ongs, associações, redes, plataformas, movimentos,...
Os compromissos que se estabelecem para fazer avançar decisões criam amarras em quem os faz. Ou seja, se foram as pessoas com poder no sistema que fizeram avançar decisões, para continuar a actuar, uma estrutura fica de alguma forma dependente das vontades e interesses onde se apoiaram essas decisões. Compromissos são necessários, mas eles visam exactamente actuar dentro de determinadas fronteiras (p.ex. proteger uma dada área natural, mas não aumentá-la entrando em conflito com interesses de construção) e uma vez tentando ultrapassar essas fronteiras... esses mesmos compromissos deixam de funcionar. Mesmo mudando os actores com quem se estabelece compromissos, não significa conquistar novas exigências para os compromissos... se estes estiverem subordinados a interesses acima dos valores ambientais.
O factor crescimento cria as suas amarras internamente e externamente. Com o seu crescimento as estruturas hierarquizam-se. Se por um lado essa é uma estratégia de coesão necessária à união dentro de uma estrutura, por outro lado esse torna-se o drama de crescimento para qualquer estrutura porque implica uma perda de horizontalidade nas decisões.
Os activismos acabam então sempre por sofrer com esta dinâmica. Se por um lado os movimentos espontâneos mostram uma força incrível na mobilização inicial, quando estes se tentam organizar perdem força… e perdem força porque se têm que subsidiar, focalizar, hierarquizar. E como manter a coesão e continuidade de uma estrutura com potencial de crescimento…?
Nos partidos o processo faz-se criando uma máquina de pessoas que no fundo é o partido. Se a sua vida é dada ao partido, o partido também lhes dá a sua existência. É a máquina que faz o partido manter-se e que também comanda os destinos do partido. As bases de um partido fazem-no andar mas na direcção em que a máquina quer e decide. As bases não são fixas, substituem-se com o tempo. A máquina tende a manter-se o mais coesa possível. Mas se por um lado esta máquina é a alma do partido, por outro acaba por isolar com o tempo o partido da sociedade civil, das pessoas que não dedicam a sua vida ao partido apenas... porque deixa de se projectar no carácter difuso das vidas comuns. Com o tempo os partidos tornam-se ou estruturas que mirram (pela elevada coesão que se criou nessa máquina e por deixarem de se reflectir na sociedade), ou se não mirram… tornam-se estruturas com elevada luta de poder interno. NOTA: com isto não se contesta a utilidade da acção dos partidos nos activismos, mas apenas se procura tocar e apenas superficialmente, nas dificuldades inerentes à sua própria génese e actuação. Não é aqui contestada a eficácia das estratégias de conquista e/ou transformação do poder por parte dos partidos e parte-se do pressuposto de que elas têm um papel nos activismos.
Nas estruturas como ongs e associações, o processo de crescimento é em geral menos coeso (embora varie muito entre estruturas e há também as que se mantêm coesas à força e portanto, pequenas)... mas nas que se deixam alargar, o crescimento torna-as reféns de um outro problema: quem sustenta a estrutura. Se por um lado ganham força ao crescerem, com o tempo esse crescimento implica uma maior necessidade de alimentar a dimensão da estrutura (sustentar os recursos humanos que aguentam a estrutura e dar continuidade aos projectos iniciados). O mesmo drama de sempre. Como financiar e manter a estrutura criada entretanto? Fundos comunitários, fundos nacionais, mecenato? Dificilmente se bate “em quem nos dá de comer”! Estas estruturas passam a constituir elementos de retórica mas sem grande consequência na sua acção. Ou por estarem prisioneiros do poder instalado para fundos, ou por estarem reféns de mecenas (p.ex. empresas que danificam o ambiente, e que para o poderem continuar a fazer até subsidiam ongs, com programas de recuperação da fauna, ou educação ambiental... para aliviarem os danos colaterais da sua actividade). Claro que podemos assumir que as empresas têm obrigação de subsidiar medidas minimizadoras e compensatórias pelos danos provocados no ambiente... mas queremos mesmo minimizar a degradação do ambiente... ou queremos evitá-la precisamente? Então o ideal seria a sociedade civil conseguir alimentar estas estruturas para deixá-las o mais livres possíveis de fundos europeus ou nacionais (pois são geridos pelo poder político) ou mecenas (empresas com interesses que colidem muitas vezes com o ambiente). Ou seja, a estratégia melhor a meu ver é dispersar ao máximo o financiamento destas estruturas, fragmentando as fontes de financiamento. E o mais fragmentado possível de imaginar... é esta vir sim de indivíduos e não de outras estruturas. A importância da participação da sociedade civil, através de contribuições individuais, no financiamento das estruturas que defendem efectivamente causas ambientais deve ser cada vez mais promovida, para apoio a estas estruturas. Urge uma construção e educação para novas formas de sustentabilidade destas estruturas (NOTA: com isto não se contesta o papel destas estruturas nos activismos, mas procura-se tocar em soluções que as libertem mais na sua actuação).
* estas reflexões surgiram de conversas com amigos, mas podem de alguma forma melhorar a reflexão conjunta se partilhadas com mais pessoas.