12 agosto, 2005

Formosa Golf. Nem tudo o que luz é oiro.

O seguinte texto é apenas um artigo de opinião que incide, não sobre os aspectos técnicos-ambientais do projecto em causa, mas sobre a própria ideia de construção de um Golfe numa área Protegida. Alerto desde já para a extensão do texto que se segue bem como para o conteúdo que, eventualmente, poderá melindrar os mais sensíveis com este tipo de escândalos.

1.Encontra-se em fase de consulta pública o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do Projecto do Campo de Golfe Formosa Golf. Este projecto “fica localizado no distrito de Faro, concelho de Loulé, freguesia de Almancil, no sítio do Muro do Ludo, sendo delimitado a Este pela ribeira de S. Lourenço e a Noroeste pela EM 540, confinando com o empreendimento da Quinta do Lago”. Por outras palavras: “...a área do Projecto, com cerca de 57 ha, insere-se no extremo poente do Parque Natural da Ria Formosa” (PNRF).

2. Não sou, nem nunca fui, um fundamentalista anti-Campos de Golfe, mas…

3. Apesar dos impactes ambientais significativos serem de facto considerados neste EIA (outra coisa não seria de esperar) a questão prende-se, tão-somente, com a localização. A gestão das áreas protegidas passará decerto pela implementação de projectos turísticos que valorizem ou financiem a área envolvente. Mas, campos de Golfe!? Afinal qual é a razão para existirem áreas protegidas? No fundo não é “nacionalizar” e proteger um pedaço de território que pela sua riqueza Ambiental assim o justifica? Onde é que a privatização de uma parcela de solo para benefício de alguns, se enquadra nesta perspectiva? Por muito bom que seja o Projecto, e não o é, não serão as medidas compensatórias previstas no EIA (vide
resumo não-técnico) que trarão mais-valias à Reserva Natural do Ludo. Porque, quanto a mim, a sua existência por si só é o seu maior dano. Será este o futuro das áreas protegidas em Portugal? A construção de campos de golfe com a desculpa de melhorias ambientais e preservação dos valores naturais existentes? Será que só assim conseguimos preservar estas áreas?

Uma coisa é certa, os promotores imobiliários (campos de golfe e afins) têm um enorme bom gosto na localização dos seus projectos. Uma vez que, de facto, a zona em causa é de uma beleza natural e paisagística impressionante. Pergunto eu zé-ninguém: mas estes energúmenos não têm mais sítios para onde ir construir os golfes?!

4. Dos poucos EIA de campos de golfe que li até hoje, a maioria tem um grave, falacioso e ilusório denominador comum. Os projectos apresentam-se como os salvadores da Conservação da Natureza, que irão não só resolver as dificuldades das áreas circundantes – quase sempre de elevado valor ambiental – como as melhorarão e potenciarão as suas riquezas. No fundo, propõem-se fazer aquilo que o Instituto de conservação da Natureza não faz. Parece que essa é a principal razão da sua existência. Pelo menos pela leitura do resumo não-técnico. E que tal começar-se a resolver o problema de fundo chamado ICN? Porque é que um estado de Direito precisa de um campo de Golfe de iniciativa privada, para fazer aquilo que, por obrigação, deveria ser o ICN?

Nesta acepção messiânica da protecção da natureza, a questão dos lagos artificiais é permanente. Consta que os lagos existentes na Quinta do Lago permitiram o aumento da população da Galinha-sultana (existirão estudos científicos que o comprovem?) a espécie emblemática do PNRF. A monocultura intensiva de relva, aqui e ali salpicada por árvores, em plena área protegida, por demais sistemas de gestão ambiental que existam - tanto quanto sei não está previsto nenhum para o Formosa Golfe – ou medidas compensatórias do projecto, justificará o aumento da população de uma espécie de aves?

Mais uma vez analisa-se o individual, esquecendo-se todo e qualquer tipo de planeamento estratégico. Existe um estudo sobre os Golfes no Algarve que afirma a sustentabilidade da construção de mais alguns golfes na região. Onde? Nas áreas protegidas?

5. O que é que se pode fazer contra isto?

Relembro o episódio Pontal. O Pontal é a maior mancha florestal do litoral algarvio, com uma área aproximada de 630 ha, no extremo Oeste do PNRF – envolvente à área do Formosa Golfe - em zona denominada de Pré-Parque, com espécies vegetais endémicas e um valor ambiental insubstituível. Ao longo dos anos esta área sofreu uma forte pressão urbano-turística e no ano 2000 foi divulgada a intenção de ali desenvolver um mega-projecto com 250 ha de áreas urbanizáveis, dois campos de golfe com 150 ha, entre outras áreas de enquadramento paisagístico, vias rodoviárias, etc.

Tal Mega projecto indignou a opinião pública Algarvia e incitou um grupo de cidadãos a criar o Movimento de defesa do Pontal. Este agregava um conjunto de pessoas individuais e colectivas que, à custa de uma pressão pública conseguiu (até hoje, mas por quanto tempo...) que as autarquias e promotores recuassem nas suas intenções. Como todos os movimentos cívicos não havia a organização desejada, nem tão pouco o número de aderentes desejado. Contudo, foi o suficiente para que ainda hoje se possa visitar o Pontal enquanto pinhal (à excepção das áreas ardidas nos últimos anos. Curioso. Logo ali que havia intenções urbanísticas. Mas isso é outra história…)

De facto, participar tem resultados. A participação pública não é um chavão teórico que se apregoa ao sabor da moda. Quando existente e bem executada, pode ter resultados espantosos. O Formosa Golfe poderá ser outro caso desses. Só dependerá de vós. Vejamos como irá avançar o processo. Até lá podem sempre participar enviando as vossas opiniões para o instituto do Ambiente e ficando atentos a novos desenvolvimentos. O prazo acaba dia 18 de Agosto e o EIA encontra-se disponível para consulta pública em diversos
locais.

NOTA: Em relação ao Movimento de Defesa do Pontal, eu e o outro gerente deste Blog, de pseudónimo NEOMORF, estivemos envolvidos na sua génese bem como em muitas das acções desenvolvidas. Qualquer um de nós poder-vos-á dar mais informações sobre este assunto. Basta contactarem-nos através dos endereços de e-mail existentes no lado esquerdo deste Blog.

6. Algumas “pérolas” do
resumo não-técnico (RNT).

As transcrições de alguns parágrafos do RNT que a seguir se apresentam, por si só e fora do seu contexto, poderão induzir em erro a interpretação do projecto na sua globalidade. Por outro lado, são, no fundo, uma súmula das vertentes mais negativas do projecto e da base técnica que o suporta. Aconselho vivamente a leitura global do RNT para que cada um de vós forme a vossa própria opinião.

· “O concelho de Loulé, que se constitui como uma espécie de região demarcada do golfe, é uma vastidão de lugares, onde foram desenhados campos de golfe. Ligados ao litoral, os campos de golfe, todos eles enquadrados numa vertente ambiental impressionante, mas ao mesmo tempo, lugares lúdicos, são sem dúvida alguma, extremamente procurados por profissionais e amadores. Um empreendimento de golfe no Algarve justifica-se e mostra automaticamente a sua viabilidade económica, por se tratar de um dos destinos golfísticos mais famosos do mundo. A procura excede largamente a oferta: no Algarve haveria lugar para 50 campos de golfe, quando existem apenas cerca de 30.”(…)

· “Os novos lagos de água permanente irão constituir o suporte para o habitat de uma série de espécies aquáticas, enriquecendo um meio actualmente erosionado e de baixo valor natural. Com a construção de novos lagos no terreno pretende-se incrementar o habitat da galinha-sultana, a espécie mais emblemática do Parque Natural da Ria Formosa.”(…)

Um pequeno aparte: Existem duas emblemáticas esculturas da galinha-sultana na área do Parque Natural, uma situa-se à entrada da sede do PNRF, na Quinta do Marim (Olhão) e a outra à entrada da quinta do Lago. Será coincidência? Não sei porquê, mas quando penso nisto vem-me sempre à ideia aqueles países que têm uma capital administrativa e uma capital financeira…


· “3.8 - MEDIDAS COMPENSATÓRIAS DO PROJECTO
A área de implantação do Projecto Formosa Golf insere-se em Zona de Reserva Natural do Ludo, pelo que, pela sua importância natural, se consideram algumas medidas que visam melhorar as condições ambientais da referida zona.(…). As medidas propostas são:
(…)
- colaboração por parte da segurança do golfe na vigilância de actividades incompatíveis com a conservação da natureza na Zona de Reserva Natural;
- apoio à elaboração de estudos sobre o Ludo, que permitam conhecer o seu valor actual no que respeita a mamíferos, répteis, anfíbios, peixes e aves, e que sugiram medidas específicas para a sua conservação.” (…)

· “A área de estudo é uma Zona de Protecção Especial, sendo uma das áreas consideradas para classificação no âmbito da Rede Natura 2000. As suas características conferem-lhe um interesse elevado para as comunidades de fauna, o que permite considerar a Ria Formosa como a zona húmida mais importante do Sul do país, pela sua dimensão e diversidade. A sua importância extravasa os limites nacionais, considerando-se esta área de importância internacional para aves aquáticas migratórias ou invernantes. Esta área assume ainda importância elevada para espécies nidificantes. No Ludo surge ainda o único local confirmado, para além do caniçal de Vilamoura, de nidificação do caimão, em Portugal.” (…)

· “A limpeza da ribeira de S. Lourenço, com remoção da vegetação que actualmente provoca a obstrução quase completa da mesma, permitirá a atracção para o local de espécies com grande interesse natural. As medidas tendentes à melhoria/recriação de habitats adequados à sua presença classificam-se como positivos de magnitude elevada e muito significativos. Igualmente importante é a possibilidade desta limpeza possibilitar a utilização desta ribeira pelas duas espécies de cágados descritos para a área envolvente - com destaque para o cágado de carapaça estriada, e para as espécies de mamíferos directamente dependentes de zonas húmidas, destacando-se a lontra. Na fase de exploração verificar-se-á a presença de alguns habitats diversos dos iniciais, com destaque particular para as áreas afectas ao golfe.” (…)

· “Os impactes no ordenamento do território advêm do confronto entre as acções e alterações de uso do solo derivadas do Projecto em estudo, com o disposto nos instrumentos de ordenamento do território em vigor na área do Projecto do Campo de Golfe Formosa Golf. O campo de golfe abrange uma área da Reserva Natural do Ludo, onde as actividades e acções permitidas estão fortemente condicionadas à salvaguarda e protecção de habitats, da flora e da fauna.” (…)

A sério? Então é por isso que se chama Parque Natural?!

· “Nesta área, gerida pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICN) os objectivos primordiais são a conservação da natureza e o desenvolvimento de projectos específicos de investigação científica. Do ponto de vista do ordenamento do território, as intervenções previstas deverão ser compatibilizadas com o Plano de Ordenamento do PNRF. Tendo por base as motivações que justificaram a classificação deste local como área onde a conservação da natureza e o desenvolvimento de projectos de investigação são primordiais, pode-se considerar que o projecto não irá contrariar os princípios básicos orientadores da classificação vigente. De facto, os resultados expectáveis, de melhoria ao nível da conservação da natureza, demonstram a concordância dos objectivos do projecto e o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa.” (...)

Há sempre “pérolas” mais brilhantes que outras...

· “Algumas das medidas que a seguir se enunciam correspondem a medidas também propostas para outros descritores, salientando-se as principais, tais como (...) na próxima revisão do PDM de Loulé dever-se-á alterar a Planta de Ordenamento do Território, classificando a área do campo de golfe como Espaço Turístico, solicitar ao IPCC a autorização para utilização da faixa de protecção do marco geodésico, solicitar às autoridades competentes a declaração de interesse público do Projecto, solicitar à Direcção-Geral do Turismo a declaração de interesse do campo de golfe para o turismo, solicitar à Comissão Regional da Reserva Agrícola o parecer favorável para a utilização não agrícola daquele espaço pertencente à Reserva Agrícola Nacional, solicitar ao INAG a intervenção prevista na área do Domínio Público Hídrico junto à ribeira de S. Lourenço, para a valorização do curso de água e das suas margens e ainda, diligenciar junto do ICN para articulação do plano de gestão ambiental do campo de golfe com vista à salvaguarda dos valores ambientais decorrentes da inserção do campo de golfe na Reserva Natural do Ludo.”(…)

Nem tudo o que luz é oiro, lá diz o povo.

João Queirós

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Resumo Não técnico (Data final de consulta pública: 18-08-2005)
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