10 fevereiro, 2004

Caracóis de 3 cornos e energia eólica

Na edição do jornal “Público” de 9 de Fevereiro, a primeira página dava destaque ao título “Portugal precisa de um parque eólico por semana para cumprir metas”, com uma foto de página inteira de um aerogerador. De imediato pensei que esta edição iria dar destaque à questão energética de Portugal, abordando-a e explorando-a com a qualidade a que este jornal nos tem habituado. Mas ao mesmo tempo que lia o pequeno texto da capa, duas palavras surgiram-me no pensamento: Energia solar.

Primeiro, qual não foi o meu espanto quando, depois de folhear 30 páginas (sem contar com suplementos e páginas centrais de numeração diferente...), encontrei finalmente a questão eólica. Ao mesmo tempo, a energia solar afundava-se no pensamento já que tinha reparado que ao lado do artigo principal, surgia um de título “Energia solar em compasso de espera”. Como se diria em Inglês: “I rest my case”.

Quanto ás opções editoriais do jornal não me vou pronunciar, mas admiro-me do seu editor não ter regurgitado umas palavrinhas pseudo jornalísticas sobre o assunto no seu Editorial diário. Questões laterais.... A questão principal é realmente ser necessário construir um parque eólico com cinco aerogeradores por semana, nos próximos sete anos, para poder cumprir uma Directiva que obriga Portugal a que, em 2010, 39 por cento da energia consumida no país seja proveniente de fontes renováveis. O artigo segue e soma: “Com as perspectivas de crescimento no consumo e as limitações para a construção de novas barragens, os parques eólicos são a única alternativa.” Sem comentários.

Prosseguimos com o Exmo. Sr. Dr. Sá da Costa (presidente da APREN) a dizer que “há promotores interessados e há zonas com vento suficiente para tantos parques eólicos. Mas há também estrangulamentos que tornam esta meta inatingível”. Ou seja, mesmo que os nossos decisores políticos, num momento inspirado de estupidez pensassem construir um parque eólico com cinco aerogeradores por semana, nos próximos sete anos, não havia problema porque há promotores interessados. Porreiro. Mas pronto, só não acontece por causa dos estrangulamentos. Só queria partilhar com os leitores que este senhor foi o mesmo que, há cerda de dois anos, num conferência sobre energias renováveis organizada pelo Núcleo de Ambiente da Universidade do Algarve, se queixava que os “ambientalistas” (as pessoas, não o blogue) só se preocupavam com os caracóis de três cornos e não permitiam construir mais parques eólicos. O mais ridículo é que o bicho existe mesmo! Não o senhor Sá da Costa, o caracol de três cornos. Mas enfim, eu só ficaria chocado com esta visão empresarial se o senhor não fosse presidente de uma Associação de Produtores independentes.

Todo o artigo é falso na sua premissa fundamental. As energias renováveis não são só parques eólicos. Portugal tem, em termos naturais, das melhores condições para a aplicação de variadas tecnologias. Desde a eólica, solar, marés, até ao Hidrogénio. A directiva cumprir-se-á se se pensar nestas todas, não só em 5 parques por semana. Já para não falar da resolução do problema a montante: a redução, e economização de energia.

Este artigo do Público aborda um problema, apresenta uma solução, consulta uma pessoa e ponto final. Se a universidade me ensinou alguma coisa é que nenhum problema tem uma só solução, e que não existem almas iluminadas detentoras da verdade.

Não sendo adepto de teorias conspirativas (à Pacheco Pereira) sobre a manipulação e o poder dos media, este artigo tocou-me. Muito boa gente terá ficado a pensar que só não existe mais parques eólicos, porque os sacripantas do ministério do ambiente não deixam. E os bons dos produtores independentes cheios de boa vontade para ajudar o país.

Quanto ao despacho conjunto dos ministros da Economia e das Cidades espero que outros digníssimos colegas bloguistas peguem no tema....


PS: Além dos temas abordados neste post, temos a questão de que para o cumprimento desta e de outras directivas (ou Convenções, protocolos, etc) se começar a instalar em Portugal o sentimento que os fins justificam os meios. Sugiro uma rápida consulta ao arquivo de notícias de Janeiro de 2004, especificamente aos comentários do artigo “Maior central de energia solar do mundo vai ser instalada na Amareleja”